Dentro das quatro linhas, ele foi um meia habilidoso que virou um lateral esquerdo ofensivo, jogando muitas vezes de ala, como nos modernos times europeus da década de 1990. Como treinador, chegou ao Brusque há um ano e conquistou a diretoria, os torcedores e os jogadores. Dono da quinta melhor campanha entre todos os clubes dos campeonatos brasileiros, que incluem as Séries A, B, C e D, o gasparense Jerson Testoni passou por todos os estágios no futebol profissional. Das categorias de base do Clube Atlético Tupi aos primeiros passos no profissional do Brusque, aos 17 anos. Morou no alojamento do clube, embaixo das arquibancadas, vestiu camisetas de clubes importantes do futebol regional e nacional, como Criciúma, Joinville, Tubarão, Marcílio Dias, Brasil de Farroupilha, Gama, Vila Nova (MG), Francana e Botafogo/SP. Encerrou a carreira aos 28 anos jogando no Imbituba, depois de sofrer com uma pubalgia que o persegue até os dias de hoje. Após um ano de trabalho frente ao Verdão do Vale, Jersinho pode colocar o clube outra vez na Série B do Campeonato Brasileiro, depois de 31 anos.
Cruzeiro do Vale - Você esperava uma campanha tão consistente com o Brusque especificamente esse ano, atípico em função da Pandemia?
Jersinho - Eu sempre acreditei. Desde o nosso planejamento, na pré-temporada, a gente começou a aplicar nosso modelo de jogo, muito em cima da filosofia que queríamos implantar. Desde o início sempre falei para os meus atletas que ia montar uma equipe de coragem, uma equipe ofensiva e que iria marcar alto, no campo do adversário e que não iria jogar apenas por uma bola. Independente de estrutura e de condições financeiras a proposta é jogar de igual para igual com todos os adversários. Graças a Deus, a gente vem mantendo essa regularidade, somos campeões da Recopa, vice-campeões catarinenses, fomos até a quarta fase da Copa do Brasil e hoje lideramos nosso grupo na Série C e podendo se classificar com quatro rodadas de antecedência, se vencermos o jogo da próxima segunda-feira.
Cruzeiro do Vale - Quem são suas inspirações como treinador? Quais são as referências no Brasil e na Europa?
Jersinho - Na Europa tem vários treinadores, o Klopp e o Guardiola, que na minha opinião é o melhor treinador do mundo. Trabalhando no Brasil temos o Sampaoli, que é muito intenso, tem o Roger Machado que eu gosto muito. O Fernando Diniz tem uma metodologia diferente de todos os treinadores, tem o Wanderley Luxemburgo, Luís Felipe Scollari, o Tite. Cada um tem sua forma de trabalhar, respeitamos todos. Quem me dera um dia chegar próximo de um desses profissionais. Tenho algumas convições, mas tento me moldar com aspectos positivos de cada treinador. A minha periodização é uma convicção minha, não sigo nenhum modelo, mas me inspiro em algumas ideias desses treinadores. Está dando certo, e com muita humildde as coisas estão caminhando bem.
Cruzeiro do Vale - Você deixou de jogar futebol aos 28 anos. Como foi o começo como treinador? Quantos anos tinha e quais foram as dificuldades?
Jersinho - Eu parei de jogar muito cedo em função de uma lesão. Cursei Educação Física pra dar aula em escola.Aos 31 anos, recebi um convite para trabalhar no Marcílio Dias, onde fiquei cerca de quatro meses e depois fui convidado para treinar a equipe sub-15. A base foi um aprendizado muito grande, desenvolvi muitas ideias minhas e muitas coisas que tentei aplicar e não deram certo. Aprendi a me comunicar com os atletas, a falar em grupo, a transmitir minhas ideias. Tento me atualizar ao máximo, em cursos, palestras, vídeos, tento evoluir sempre.
Cruzeiro do Vale - Como você avalia o nível atual do futebol catarinense, depois de um ano sem representantes na série A e da campanha irregular na série B, em que apenas Chapecoense figura no G4?
Jersinho - O campeonato catarinense é muito difícil, assim como é o campeonato brasileiro. A Chapecoense vai muito bem, lidera a competição, o Avaí tem altos e baixos e para o Figueirense infelizmente faltou um pouco de planejamento. O Brusque está bem, e o Criciúma vem buscando seu espaço. A principal dificuldade dos catarinenses é a falta de planejamento.
Cruzeiro do Vale - Quais são as maiores diferenças no futebol entre o tempo que você era jogador, ao fim dos anos 90 e começo dos anos 2000, para os dias de hoje?
Jersinho - O futebol ficou muito mais intenso. Hoje se trabalha muito a parte tática, o preenchimento de espaços em linhas, bloco alto e bloco baixo. O futebol moderno está muito teórico, os profissionais precisam estar sempre se atualizando. Antes, a marcação era mais individual, hoje ela é por zona, ocupando os espaços. Os gramados são melhores e a bola corre mais rápido também.
Cruzeiro do Vale - Você falou em ocupação de espaços, o que exige muito condicionamento físico. Como combinar essas características com o talento do jogador brasileiro? Qual a função do técnico nessa mudança de mentalidade?
Jersinho - Muitas pessoas falam que o Brasil perdeu sua identidade, em relação ao modo de jogar dos atletas. Eu não vejo dessa maneira. O futebol hoje se joga num espaço muito reduzido. Não há mais espaço como antes, para você poder fazer uma jogada individual, driblar dois ou três jogadores. Hoje, você precisa ter inteligência para jogar entre as linhas, se exige muita capacidade cognitiva. Os treinadores brasileiros são fundamentais nesse processo de adaptação de uma nova cultura de jogo e são todos muito competentes. Sem desmerecer treinadores estrangeiros, eles fazem sucesso em times mais bem montados, com um elenco forte e competitivo.
Cruzeiro do Vale - Até onde esse time do Brusque pode chegar? Vai brigar pelo título e pelo acesso em condições de igualdade com outras equipes mais tradicionais do futebol brasileiro?
Jersinho - Eu acredito no acesso. O Brusque vem mostrando uma regularidade, desde o início da competição. Todos os jogos são difíceis, os resultados mostram isso, inclusive acredito que vai permanecer assim até o final. Acredito que o primeiro objetivo do clube foi alcançado, que era permanecer na Série C. Agora, vamos em busca da segunda fase e do acesso. O grupo está bem preparado, é um grupo muito forte e que trabalha muito. O mérito é total dos atletas, quem nos acompanha no dia a dia sabe da doação de todos nos treinamentos e por isso conseguimos manter a regularidade, conquistando uma vaga e quem sabe o título da competição.
Cruzeiro do Vale - Você passou por muitos clubes durante sua carreira de jogador de futebol. Teve muitos professores na casa mata. Lembra de alguma história interessante, algo curioso que possa ser contado desse tempo, na relação com os treinadores?
Jersinho – Sobre essas situações, a gente encontrou muito treinador folclórico, mas eu lembro raramente dessas histórias. Lembro muito mais de coisas positivas, coisas que os profissionais me ensinaram e eu levo até hoje para os treinamentos, para os jogos. São ideias, modelos de jogo. Levo mais por esse lado, No final da minha carreira, trabalhei com o Geraldo Delamore, que durante muito tempo foi auxiliar técnico do Tite. No final de 2008, 2009 ele já trabalhava essas questões modernas de preenchimento de espaços, de compactação de espaços. Isso me chamou a atenção, ele era um profissional muito teórico, estudava muito.
Cruzeiro do Vale - Qual tua principal filosofia no que diz respeito ao futebol? No que você acredita e no que pensa como proposta de jogo? Como vê o futebol e a competitividade?
Jersinho – O futebol hoje em dia é muito dinâmico e muito competitivo. Minha ideia é sempre propor o jogo, ser ofensivo, agressivo, marcando alto e ficando sempre com a bola. Independente disso, temos que trabalhar todas as situações de jogo, que são as movimentações defensivas e ofensivas, as transições defesa-ataque e a bola parada. Trabalho muito em cima desse modelo e falo para os meus atletas que a gente tem que estar preparados para as adversidades do jogo. Nosso primeiro objetivo é conduzir o jogo, é controlar as situações, mas às vezes o adversário pode ser superior e precisamos estar preparados para nos defender também. Precisamos saber sofrer, como a gente fala no futebol.
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