30/11/2012
ANA PAULA I
A juíza da 1ª Vara da Comarca de Gaspar, Ana Paula Amaro da Silveira, pediu e vai trabalhar em Florianópolis, sua terra. Seu último dia aqui será no dia sete de dezembro, sexta-feira. Na quinta haverá um jantar. Ela assume as novas funções na Capital no dia primeiro de fevereiro do ano que vem. Ana Paula deixará marcas, exemplos e ensinamentos nestes onze anos (dos 20 de magistratura) em Gaspar. Um deles o de não ser enrolada por promessas ou ser dobrar as pressões dos políticos e dos irresponsáveis sociais. Ela quis e mudou o futuro das pessoas vulneráveis, as quais precisam de tutela da Jurisdição da Infância e Juventude. Deveria ser promotora e não juíza é a minha conclusão.
ANA PAULA II
Ana Paula é na aparência uma jovem senhora frágil. Na biografia, entretanto, é uma guerreira, determinada, forte e com histórias de superação. Como juíza, abdicou da carreira. Preferiu a família e as filhas. Como juíza, meio sem querer, confessa, apaixonou-se por uma causa e como poucas, testemunhei. Enfrentou a descrença de parte da comunidade e principalmente, as armadilhas dos políticos. Eles fazem o discurso do politicamente correto ou interesseiro para a cidade, mas, de verdade, abandonam a proteção mínima legal às crianças e adolescentes determinadas pelo Estado. Não foi raro as vezes que ela teve que obrigar o poder público disponibilizar por meio de sentenças, verbas e direitos constitucionais. E houve quem, apesar do discurso, recorresse desta prioridade humana e obrigacional. Uma vergonha.
ANA PAULA III
E foram estes reveses, descasos e espertezas que a fizeram obstinada. A apaixonou-se mais pelo assunto e assim acabou ficando mais tempo do que o previsto por aqui, para desespero de alguns. À medida que era questionada e até denunciada, em decorrência disso e por obrigação institucional, era fiscalizada pela corregedoria do Tribunal de Justiça. E quanto mais ela era auditada, mais Ana Paula era admirada entre os seus pares, mais convicta se fortalecia naquilo que fazia (e bem), e ao contrário dos que queriam os políticos daqui, acabava, meio sem querer, prolongando a sua estada em Gaspar.
ANA PAULA IV
As suas atitudes e resultados correram o Brasil, viraram referência e foram premiadas. Aqui elas eram ignoradas (até pela imprensa). Ana Paula não se importava. Estava preocupada com as famílias, as crianças, a integração e a reinserção educacional, comunitária e social. Esta era a sua meta. E seu prazer. Poucos a entendiam. Viam até nisto, segundos interesses, incluindo os de poder, vaidade e até financeiros. E quem lançava às dúvidas? Principalmente os que precisam deslocar verbas oficiais para a proteção dos menores. ?Afastar um adolescente ou uma criança do ócio, da droga, do ambiente de risco e lhe mostrar que ele possui futuro, por si e pelos outros, dá-me a sensação de que estamos construindo soluções onde muitos julgam só haver lixo, irrecuperáveis, dramas, desperdício e perdas?, repetia.
ANA PAULA V
Com Ana Paula tive raríssimos, breves, interessantes, mas produtivos encontros nestes onze anos. Nunca lhe pedi nada. Nossos pontos de vista e diagnósticos, às vezes, eram coincidentes. O último foi na segunda-feira passada, para me despedir. Pedi dez minutos. Ela, generosamente me concedeu mais. E então lhe perguntei: como ficarão as nossas crianças e adolescentes vulneráveis e em situação de risco? Ela me olhou fixa e lateralmente, sem falar nada por algum tempo. Ao final, arriscou: ?não sei?, cheio de dúvidas. Quando Ana Paula chegou aqui, havia 12 crianças abrigadas em um local precário. Hoje são três ambientes estruturados. São 79 menores vulneráveis. Abrigados? Não mesmo. Estes locais, com profissionais e voluntários, verdadeiramente dão vida a pessoas. São ambientes de convivência, aprendizado, mudanças que invejam os políticos e pessoas que se dizem autoridades neste município. O aval? As histórias de superação da maioria desses meninos e meninas.
ANA PAULA VI
Ana Paula graduou-se em Direito na UFSC. Na magistratura começou por Florianópolis no dia 16 de julho de 1992; deslocou-se para São Miguel do Oeste em abril do ano seguinte. Seguiu o seu ex-marido, também juiz. E por isto, veio dar em Blumenau março de 1995. Ele fez carreira e está no Tribunal. Ela cuidou da família e para ficar perto dela, rejeitou Florianópolis e procurou Gaspar em 21 de fevereiro de 2001. E ainda pela família e superações, recusou a promoção no dia três de março de 2008 para a Comarca de Videira. Experimentou um divórcio, um câncer e o preconceito. Virou as páginas. Foi altiva.
ANA PAULA VII
Quando chegou a Gaspar foi designada para a 2ª Vara, do crime e júri. Não a entusiasmava, lembra. E logo surgiu a oportunidade na 1ª. Vara. Ficou para sempre. Encontrou a causa: os menores vulneráveis. Foi o advogado Sérgio Hammes, então presidente da Conferência Vicentina, que a despertou. Não recebia verbas públicas devidas para a reinserção dos internos da entidade. ?Naquele momento entendi que eu poderia ser prática e mudar a vida de uma criança, do que produzir uma bela sentença, uma peça jurídica ou um tratado que me desse fama e reconhecimento. Fui o que eu fiz desde então com a lei, a justiça e a dura realidade da infância, juventude, sociedade, comunidade e o descaso do Estado. E não me arrependo?, explica a juíza Ana Paula.
ANA PAULA VIII
?Gaspar foi uma escola. Não sou a mesma pessoa de quando cheguei aqui?, sublinha. ?Há pessoas descrentes. Entretanto, quando elas são chamadas, elas fazem. Muito do meu sucesso se deve as pessoas que acreditaram que é possível mudar o que parece ruim. Não podemos esperar que uma criança se transformasse num adulto irrecuperável, atentando contra a nossa própria vida e bens, apenas porque não demos chances a ela e que nós próprios tivemos?, adverte. ?O ideal seria não se ter um só menor abrigado, mas a realidade é outra. Então é preciso enfrentar a realidade?, explica.
ANA PAULA IX
?As nossas crianças estão largadas?, observa. Crítica, Ana Paula não entende como em Gaspar não se dissemina o contra turno, os Centros Educativos, a educação em período integral, principalmente em áreas de riscos. Para ela, é preciso ocupar, educar, acompanhar, proteger, abrir horizontes para estas crianças que vêm de lares complicados ou que não existem, todos com valores familiares e sociais comprometidos. E estes instrumentos de apoio educacional e social deveriam estar em áreas geograficamente mais vulneráveis. ?Gaspar se tornou periferia de Blumenau e Brusque. Ilhota, de Itajaí e Navegantes. É assustador. Proporcionalmente, a Comarca Gaspar é a que gera mais detenções e prisões no estado. É um sinal de que algo precisa ser feito não apenas no ambiente dos crimes, mas dos menores que gravitam em torno destas pessoas?, lembra. Numa cidade em que há um CRA, mas verbas para dois, tudo é possível.A juíza prosseguia na sua indignação e aula, quando foi interrompida por sua secretária. Era o desembargador Eládio Torret Rocha, presidente em exercício do Tribunal Regional Eleitoral, ao telefone. Ela o aguardava para dar soluções a algumas pendências na área eleitoral, tarefa que ela acumulou neste ano. E com a sua independência decidiu contra os poderosos, mais uma vez. Despedimo-nos rapidamente.
SOBRE O TRAPICHE
O vereador eleito pelo PMDB de Gaspar, Ciro André Quintino, está com um problemão. Ele teve as contas de campanha rejeitadas pela Justiça Eleitoral. Do jeito que está não será diplomado e assume o primeiro suplente Charles Petry, PV, do Belchior. Cabe recurso. Todos os três outros vereadores do PMDB eleitos tiveram suas contas aprovadas, mas com restrições. Ai.ai, ai.
O que demonstra isto? Que faltou cuidado dos candidatos; que o partido não foi diligente, capaz e competente. Resta saber se o candidato a prefeito Kleber Edson Wan Dall, e que pode assumir, também está na mesma situação.
Ora, quem não consegue cuidar das suas próprias contas de campanha, coisa muito simples e posso assegurar isto, pode cuidar das contas do município e fiscalizar os outros quando na Oposição? O PMDB começou mal na foto, no exemplo e no resultado. Acorda, Gaspar!
Edição 1445
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