Características do novo paradigma emergente - Jornal Cruzeiro do Vale

Características do novo paradigma emergente

20/11/2014

Muito se fala hoje de quebra de paradigmas. Mas há um grande paradigma, formulado já há quase um século, que oferece uma leitura unificada do universo, da história e da vida. Ousamos apresentar algumas figuras de pensamento que o caracterizam.

1) Totalidade/diversidade: o universo, o sistema Terra, o fenômeno humano estão em evolução e são totalidades orgânicas e dinâmicas construídas pelas redes de interconexões das múltiplas diversidades. Junto com a análise que dissocia, simplifica e generaliza, faz-se mister síntese pela qual fazemos justiça a esta totalidade. É o holismo, não como soma, mas como a totalidade  das diversidades orgânicamente interligadas.

2) Interdependência/re-ligação/autonomia relativa: todos os seres estão interligados pois um precisa do outro para existir e coevoluir. Em razão deste fato há uma solidariedade cósmica de base que impõe limites à seleção natural. Mas cada um goza de  autonomia relativa e possui sentido  e valor em si mesmo.

3) Relação/campos de força: todos os seres vivem numa teia de relações. Fora da relação nada existe. Junto com os seres em si, importa captar a relação entre eles. Tudo está dentro de campos pelos quais tudo tem a ver com tudo.                      

4) Complexidade/interioridade: tudo vem  carregado  de energias em diversos graus de intensidade e de interação.  Energia altamente condensada e estabilizada se apresenta como matéria e quando menos estabilizada como campo energético. Dada a interrelacionalidade entre todos,os seres vem dotados de informações cumulativas, especialmente os seres vivos superiores, portadores do código genético. Este fenômeno evolucionário vem mostrar a intencionalidade do universo apontando para uma interioridade, uma consciência   supremamente complexa. Tal dinamismo faz com que o universo possa ser visto como  uma totalidade inteligente e auto-organizante. Quanticamente o processo é indivisível mas se dá sempre dentro da cosmogênese como processo global de emergência de todos os seres. Esta compreensão permite colocar a questão  de um fio condutor  que atravessa a totalidade do processo cósmico que tudo unifica, que faz o caos ser generativo e a ordem sempre aberta a novas interações (estruturas dissipativas de Prigogine). A categoria Tao, Javé e Deus hermeneuticamente poderiam preencher este significado.

5) Complementariedade/reciprocidade/caos: toda a realidade se dá sob a forma de partícula e onda, de energia e matéria, ordem e desordem, caos e cosmos e, a nível humano, da forma de sapiens e de demens. Tal fato não é um defeito, mas a marca do processo global. Mas são dimensões  complementares.

6) Seta do tempo/entropia: tudo o que existe, pre-existe e co-existe. Portanto a seta do tempo confere às relações um caráter de irreversibilidade. Nada pode ser compreendido sem uma referência à sua história  relacional e ao seu percurso temporal. Ele está aberto para o futuro. Por isso nenhum ser está pronto e acabado, mas está carregado de potencialidades.  A harmonia total é promessa futura e não celebração presente. Como bem dizia o  filósofo Erns Bloch: ?o gênesis está no fim e não no começo?. A história  universal cái sob a seta termodinâmica do tempo, quer dizer: nos sistemas fechados (os bens naturais limitados da Terra)  deve-se tomar em conta a entropia ao lado da evolução temporal. As energias vão se dissipando inarredavelmente e ninguém pode nada contra elas. Mas o ser humano pode prolongar as condições de sua vida  e do planeta. Como um todo, o universo é um sistema aberto que se auto-organiza e continuamente transcende para patamares mais altos de vida e de ordem. Estes escapam da entropia (estruturas dissipativas de Prigogine) e o abrem para a dimensão de Mistério de uma vida sem entropia e absolutamente dinâmica.

7) Destino comum/pessoal: Pelo fato de termos uma origem comum e de  estamos todos interligados, todos temos um destino comum  num futuro  sempre em aberto. É dentro dele que se deve situar o destino pessoal e de cada ser, já que em cada ser culmina o processo evolucionário. Como será este futuro e qual seja o nosso destino terminal caem no âmbito do Mistério e do imprevisível.

8) Bem com cósmico/bem comum particular: O bem comum não é apenas humano mas de toda a comunidade de vida, planetária e cósmica. Tudo o que existe  e vive merece existir, viver e conviver. O bem comum particular emerge a partir da sintonia com a dinâmica do bem comum universal.

9) Criatividade/destrutividade: O ser humano, homem e mulher, no conjunto dos seres relacionados  e das interações, possui  sua  singularidade: é um ser estremamente complexo e co-criativo porque intervem no ritmo da natureza.  Como observador está sempre inter-agindo com tudo o que está à sua volta e esta inter-ação faz colapsar a  função de onda que se solidifica em partícula material (princípio de indeterminabilidade de Heisenberg). Ele entra na constituição do mundo assim como se apresenta, como realização de probabilidades quânticas (partícula/onda). É também um ser ético porque pode pesar os prós e os contras, agir para além da lógica do  próprio interesse e em favor do interesse dos seres mais débeis, como pode também agredir a natureza e dizimar espécies (nova era do antropoceno).

10) Atitude holístico-ecológica/antropocentrismo: A atitude de abertura e de inclusão irrestrita propicia  uma cosmovisão radicalmente ecológica (de panrelacionalidade e re-ligação de tudo), superando o histórico antropocentrismo. Favorece outrossim sermos cada vez mais singulares e ao mesmo tempo, solidários, complementares e  criadores. Destarte estamos em sinergia com o inteiro universo, cujo termo final se oculta sob o véu do Mistério situado no campo da impossibilidade humana. O possível se repete. O impossível acontece: Deus.


Leonardo Boff, ecoteólogo e escritor      

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