A nova lei de prisões, que altera a partir desta semana o Código de Processo Penal, pode inibir prisões preventivas em casos de crimes de ?colarinho branco?, como lavagem de dinheiro, ocultação de bens e valores. Para especialistas ouvidos pelo G1, acusados com poder financeiro para arcar com altas quantias de fiança passam a ter ainda mais chance de permanecer soltos durante o processo criminal.
O intuito da Lei 12.403, segundo o Ministério da Justiça, é coibir a prisão para os chamados crimes leves, com penas inferiores a 4 anos: os furtos simples, crimes de dano ao patrimônio público, entre outros, desde que o acusado não seja reincidente. Para estes e todos os demais crimes dolosos (quando há intenção), o juiz passa a contar com nove medidas cautelares além da prisão, e a preventiva deve ser aplicada apenas como última saída.
Uma das alterações diz respeito à fiança. Agora, os valores são mais altos, podendo variar de um a cem salários mínimos (para pena inferior a 4 anos), e de 10 a 200 salários mínimos (penas superiores a 4 anos). Levando em consideração a situação econômica do detido, o valor pode ser reduzido em até dois terços, ou multiplicado por mil, chegando a R$ 109 milhões.
Ainda conforme a nova lei, para crimes leves, a medida é aplicada pela autoridade policial. Com penas maiores de 4 anos, somente pelo juiz. A preocupação de promotores e procuradores que investigam casos envolvendo lavagem de dinheiro é de que a nova lei dificulte ainda mais a prisão de suspeitos envolvidos nos chamados 'colarinho branco'.
Rico solto, pobre preso?
?Para a cadeia, continua só indo pobre, porque essa lei favorece inclusive o rico, na medida em que cabe fiança muito alta. Ele paga fiança e vai embora. O que muda é que muitos pobres deixarão de ir para a cadeia?, afirma o ex-juiz e criminalista Luiz Flávio Gomes.
Para o criminalista Tales Castelo Branco, ao aliar uma restrição às prisões preventivas a altos valores de fiança, a nova lei pode provocar o aumento da opção de juízes diretamente pela fiança. O jurista considera, porém, que a mudança não deve ser vista como causa de distorção, e sim, como medida para restringir prisões preventivas ilegais. ?A lei foi muito boa, na medida em que coíbe essa mania de prender. Nós estamos vivendo uma verdadeira euforia de prender, prisões temporárias reiteradas, para forçar o suspeito a falar, ou para permitir uma busca e apreensão, em casos que não são previstas?, afirma.
Segundo o jurista, o dispositivo na lei permite isenção de fiança àquele que conseguir comprovar não ter condições financeiras de arcar com o valor ajuda a garantir o mesmo direito aos acusados de pequenos crimes. ?Para dificultar a aplicação da prisão preventiva arbitrariamente, colocaram no seu lugar a fiança com valor elevado. Não vejo com muita simpatia essa mistura de liberdade com dinheiro, parece muito próprio do sistema norte-americano. Acho é que nós deveríamos ficar com uma forma de entender as coisas da seguinte maneira: quando o indivíduo apresentar perigo à sociedade, deve ser preso. Se não, deve ficar em liberdade provisória?, defende.Para defensores públicos, há o temor de que o efeito possa ser reverso, e a fiança arbitrada, mesmo que baixa, seja fator para manter o pequeno meliante, que deveria ser beneficiado pela nova lei, preso. ?Ainda não sabemos o que vai acontecer, mas se juízes começarem a trocar a prisão pelas fianças, essas pessoas continuariam presas, porque muitas vezes não podem arcar com R$ 100, R$ 200?, diz a defensora Virgínia Sanches Rodrigues Caldas Catelan.
Um ponto positivo apontado, no entanto, é que, a partir da nova lei, esses valores são obrigatoriamente revertidos em favor das vítimas de criminosos condenados ou do erário, em caso de dinheiro público. ?A vítima, tão esquecida, fica com garantia do recebimento da indenização. No caso do jornalista Pimenta Neves, por exemplo, a família já teria recebido a indenização civil?, diz Gomes.
?Acho que é uma providência boa, porque torna a possibilidade de ressarcimento de danos morais mais prática, mais urgente, sem necessidade de intermináveis processos?, complementa Castelo Branco.
Saiba mais sobre a nova lei de prisões
Além de novas modalidades de cautelar, como o comparecimento perante o juízo, a proibição de frequentar certos locais e o monitoramento eletrônico, a prisão em flagrante também não servirá mais para manter um suspeito atrás das grades, como hoje acontece. Para juristas, a norma pode beneficiar presos provisórios e detidos em flagrante, mas ainda não se sabe ao certo como juízes começarão a aplicar a novidade.
Há dúvidas inclusive sobre a data de entrada em vigor da lei, prevista para valer 60 dias após a data de sua publicação, dia 5 de maio. Para juristas, a nova norma começa a vigir no dia 5 de julho, por se tratar de uma lei de processo penal. Para alguns advogados, a data inicial é o dia 4 de julho, porque se deve considerar a norma como de direito penal. Assim, na contagem de dias, seria excluído o último. O Ministério da Justiça conta os dias corridos, por isso, diz que a lei começa a vigorar no dia 4 de julho.
A par da discussão jurídica, o preso provisório, aquele que ainda aguarda o fim do processo, ou seja, o que está detido mesmo sem ter sido condenado, pode requerer a revisão da prisão se o caso se enquadrar na nova lei. Segundo dados do Ministério da Justiça, até dezembro de 2010, eles representavam 44% do total do país.
fonte G1
Copyright Jornal Cruzeiro do Vale. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Jornal Cruzeiro do Vale (contato@cruzeirodovale.com.br).