Nesta quarta feira, fará exatamente 102 anos que morreu Joaquim Maria Machado de Assis. Particularmente sempre achei desinteressante este tipo de coisa, comemorar datas, aniversários disso ou daquilo. Parece falta de assunto ou oportunismo, porém neste caso, chega a ser um sacrilégio para um professor de Língua Portuguesa não prestar reverência e fazer menção ao fato.
Lembro que há dois anos atrás, todos os meios de comunicação do país faziam alusão ao centenário da sua morte. Nada mais justo, afinal, era, ou melhor, é o grande nome da Literatura nacional. Na época confesso com profunda vergonha, que não havia lido nem uma obra completa do bruxo, apenas alguns contos, por obrigação, diga-se de passagem.
Até esta ocasião, não entendia por que tanta ?oba-oba? em torno do nome do escritor. Já professor, senti-me na obrigação de saber mais sobre ele e sobre tudo que produzira. Comecei a devorar seus contos e romances. Foi então que entendi. É redundância gastar adjetivos para comentar sua obra, mas sem sombra de dúvidas há algo diferenciado no que Machado escreve e não é a toa que ele é considerado o melhor, o grande mestre de nossas letras.
Mas, o que mais impressiona, ainda, é sua história de vida...
Rio de Janeiro, morro do Livramento, 21 de julho de 1839, nasce Joaquim Maria, o filho do mulato pintor de paredes, Francisco José de Assis e da lavadeira açoriana Maria Leopoldina.
Ele o famoso escritor Machado de Assis, que não nasceu nem famoso, nem escritor, simplesmente um molequinho, mulato, pobre, epilético e gago. Certamente mais um pretinho qualquer, que tinha tudo para dar errado na vida.
Com apenas 10 anos de perde a mãe. Seu pai casa-se em seguida com Dona Maria Inês, que contrariando a lenda das madrastas, substituiu em cuidados e carinhos à mãe verdadeira, ainda mais com a morte do pai pouco tempo depois.
O menino cresce assim, ao lado de Maria Inês, lavadeira e doceira, cujas balas Machadinho encarregava-se de vender na porta dos colégios que não podia freqüentar.
Até aqui nada que prenunciasse a glória futura. Nada que fizesse ver no moleque baleiro o grande escritor, fundador e presidente perpétuo da nobre Academia brasileira de letras.
Apenas a realidade da vida difícil que qualquer menino pobre do Rio de Janeiro levava nos idos de 1840. Escola para ele ficava restrita as portas dos colégios, que era um privilégio dos que tinham pai rico, doutor, fazendeiro ou pelo menos funcionário público. O máximo foram só algumas aulas numa escolhinha das redondezas, aprendendo o ?beabá? e as contas de mais e menos, mas ainda assim destacando-se como o gênio que era.
O resto viria depois, fora do tempo e fora da escola, com muito esforço de Machadinho que mesmo sem ter acesso a cursos regulares, empenhou-se em aprender. Pobre, de nascimento pobre, de família pobre e de madrasta pobre, desde cedo teve de cuidar da própria vida, de trocar à incerta, flutuante e marginal função de vendedor de balas, por empregos mais seguros e mais próximos de seus ideais.
E assim, mesmo sem ter freqüentado escolas regulares, conseguiu aproximar-se de intelectuais e jornalistas que lhe deram as primeiras oportunidades. Logo, Machadinho no alto dos seus 16 anos arruma emprego na Livraria Paula Brito, trabalhando tanto na tipografia como na venda de livros de casa em casa, mesmo tendo dos seus ataques de gagueira. Em virtude do seu empenho e sucesso consegue publicar em 1855 seu primeiro trabalho literário, o poema ?Ela?, na revista Marmota Fluminense, de Francisco de Paula Brito.
Daí em diante, não parou mais e não tardou para ser reconhecido e diferentemente da situação obscura em que nasceu, faleceu rodeado por amigos ilustres, tendo sido velado na Academia Brasileira de letras com homenagens e discurso póstumo do grande orador Rui Barbosa.
Do nascimento anônimo e humilde sua morte foi notícia em todo território nacional e hoje uma grande estátua de bronze guarda a entrada da sede da Academia que numa homenagem mais do que justa, chama-se casa Machado de Assis.
Indiferente aos obstáculos do caminho, o gaguinho, o crioulinho, o doente e pobre Machadinho nunca deixou se abater. E hoje não só aqui no Brasil como no mundo todo, ele é lembrado, festejado e homenageado pela sua existência. Mais do que grandes romances, obras-primas, e um acervo literário invejável, Machado de Assis nos deixa um grande exemplo de persistência e determinação. Uma história que deve servir como referência a todos que acreditam nos seus sonhos. Como ele mesmo disse: ?Tudo é aliado do homem que sabe querer?.
Michel Jaques - michel.jaques@yahoo.com.br
edição 1233
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