A ciência explica se dinheiro compra felicidade - Jornal Cruzeiro do Vale

A ciência explica se dinheiro compra felicidade

05/08/2016
A ciência explica se dinheiro compra felicidade

Como você está? Provavelmente tendo um início de infarto, se estiver olhando para a fatura do cartão de crédito.

A essa altura da vida, talvez você já tenha reparado que algumas aquisições trazem arrependimentos profundos e outras nem tanto. Por exemplo, o tempo que você gasta em uma viagem logo vai parar na caixa de memórias do cérebro, fazendo parte do passado. Enquanto isso, a vida útil de um celular que custa três vezes o seu salário pode durar mais do que uma lembrança. Não há dúvida de que ambos possam trazer alguma gratificação, mas isso não tem a ver com a duração de cada um.

Um objeto de desejo, seja ele um tablet, uma joia ou o box completo de Friends, pode levar muito tempo para ser descartado — isso se o seu amigo que pegou o box emprestado, devolvê-lo. Mas como procura demonstrar uma série de estudos do psicólogo Thomas Gilovich, da Universidade Cornell, a permanência da nossa felicidade em relação a esse objeto costuma ser inversamente proporcional à sua duração. Já quando falamos de experiências, tais como jantares, sessões de cinema e shows, o quadro é o oposto. “Experiências nos conectam com outras pessoas de maneira mais intensa do que bens materiais, elas tendem a constituir uma parte maior das nossas identidades e a ser avaliadas dentro de seus próprios termos”, diz Gilovich.

Isso se deveria, principalmente, a uma de nossas características mais pungentes: a de nos adaptar a tudo. Um célebre estudo da Universidade de Yale, publicado em 1971, por Philip Brickman e Donald Campbell, indica que a nossa capacidade de se acostumar às circunstâncias é enorme: tendemos a voltar rapidamente ao estado anterior de felicidade depois de um evento positivo ou negativo. Isso é ótimo quando precisamos lidar com a perda de alguma pessoa ou quando sofremos um trauma, por exemplo.

Mas aplicada ao consumo, a pesquisa de Brickman e Campbell sugere que, assim que adquirimos um novo bem, logo o objeto se banaliza, passando a fazer parte do contexto das coisas que já possuímos e perdendo a importância. A isso eles deram o nome de “esteira hedonista”, em referência ao equipamento capaz de nos fazer correr sem nunca sair do lugar.

O estudo orientado por Gilovich, nomeado Uma Vida Maravilhosa: o consumo de experiências e a busca pela felicidade, avançou no tema, agora com novo foco. Ao longo de três anos, mais de 2 mil pessoas, entre 21 e 69 anos, foram questionadas a respeito do nível de contentamento que uma posse e uma experiência continuam a produzir. O que o grupo de pesquisadores descobriu foi surpreendente. Até uma vivência ruim pode trazer algo positivo: pelo menos ela pode ser encarada como um aprendizado ou até render uma boa história no bar. Uma visita à praia num fim de semana chuvoso é capaz de fazer com que a família passe ainda mais tempo junta. Mas não seria lá muito comum ouvir o dono de um celular quebrado dizer: “Pelo menos, fui ao conserto e passei mais tempo com o meu telefone”.

Também é mais difícil comparar coisas do que experiências. “O que esperamos dos nossos bens materiais é uma série de quesitos objetivos, como tamanho, velocidade e segurança, que são fáceis de serem enumerados e comparados”, avalia Gilovich. “Logo, nossa satisfação em relação às nossas posses é majoritariamente afetada pelas posses dos outros, o que não se aplica ao que vivenciamos, cujos parâmetros são mais etéreos.”

É possível encontrar alguém que tenha ido exatamente ao mesmo lugar que você nas últimas férias, mas é difícil dizer quem aproveitou mais. Cada um usufruiu seu tempo de acordo com as suas expectativas e interesses: um pode ter priorizado os restaurantes e o outro preferiu conhecer a vida noturna do lugar. Sozinho, o argumento de que uma viagem tenha durado dois meses nunca convencerá alguém de que ela foi melhor do que uma que durou apenas três semanas.

Outra vantagem das experiências: elas facilitam nossos laços com as pessoas. Numa conversa com os amigos, as chances de causar uma boa impressão são maiores quando você aparece com um relato apaixonado a respeito do show do Morrissey, por exemplo, em vez de enumerar as vantagens do último carrão que comprou. Da mesma forma, uma experiência compartilhada tende a ser mais prazerosa do que uma compra conjunta. “Como as experiências contribuem mais para formar nossas identidades, quando compartilhamos um momento desse com alguém, dividimos algo mais profundo do que quando encontramos uma pessoa que possui o mesmo bem material”, diz Gilovich.

Os sinais de satisfação em relação a forma como usamos o nosso tempo aparecem desde a infância. Em seu mestrado, a psicóloga e pedagoga Clarice Kunsch, da USP, avaliou como crianças cercadas por um excesso de presentes e com agendas atribuladas costumam mostrar sinais de tédio. “O número exagerado de brinquedos aparece como uma tentativa de suprir a ausência dos pais no dia a dia das crianças, habituadas a ganhar algo sem ao menos pedir”, diz Kunsch. “Cria-se pouca expectativa na conquista ou na realização de um desejo e, rapidamente, os brinquedos ficam obsoletos ou desinteressantes.”

Além do plano pessoal, o mais animador dos estudos, segundo Gilovich, é que eles também podem ser aplicados em escalas mais amplas. “Os resultados podem servir às autoridades como guia para investir em infraestruturas que proporcionem experiências gratificantes às pessoas, como parques, trilhas, praias e casas de show”, diz. Uma prova de que o melhor da vida, talvez, seja mais barato do que os comerciais nos fazem acreditar.

 

Fonte: Revista Galileu

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