Facebook - Jornal Cruzeiro do Vale

Facebook

10/04/2012 08:29

As pessoas se amontoavam em qualquer abrigo que as protegesse das hostilidades da natureza. Nessas condições, não havia vida privada. Não se podia evitar a permanente exposição a tudo e a todos. Os abrigos foram sendo transformados em casas, mas a privacidade continuou escassa. Salvo para pouquíssimos privilegiados, a habitação de cômodo único era a regra.

Por milênios, famílias imensas estiveram entre parcos metros quadrados de paredes, comumente sem janelas, sem luz, sem água. Empilhadas dessa forma, as pessoas não tinham o que chamamos de privacidade. Alguma vida reservada para uma parcela mais significativa da população, só no século XVIII, com o burguês individualista construindo casas com divisões internas, incluindo quartos privados.

Desde então, buscamos privacidade, que é o controle da exposição e da disponibilidade de informações acerca de nós próprios. A Wikipédia cita Túlio Vianna, (edito): ?direito de não ser monitorado (não ser bisbilhotado); de não ser registrado (não ter imagens, conversas gravadas etc.) e de não ser reconhecido (não ter registros pessoais publicados)? Transparência pública, opacidade privada, Revan.

Ainda na Wikipédia: Eric Hughes: ?privacidade é o poder de revelar-se seletivamente ao mundo?; Rainer Kuhlen: ?privacidade não significa apenas o direito de ser deixado em paz, mas também o direito de determinar quais atributos de si serão usados por outros?; e Paula Sibilia: vivemos a ?intimidade como espetáculo?, situação ilustrada por fenômenos de mídia e comportamentos adotados em redes sociais.

Seja: saímos de nos preocupar com uma reserva mínima de nós próprios para um nos exibir despudoradamente onde nos permitem e, mesmo, nos pedem para fazê-lo. Esse é o negócio do Facebook: pescar vaidades. Mark Zuckerberg ?criou uma máquina de ganhar dinheiro que se alimenta de informações sobre nós todos. [...] Ele invadiu a nossa vida ? e ficou bilionário com o que damos a ele de graça? (Época, 06fev12).

Na verdade, não acho justo acusá-lo de invasão. Nós arreganhamos graciosamente nova privacidade nos murais do site. Ela, apenas, transformou-nos em um ativo, uma mercadoria negociável na Bolsa de Valores de Nova York. ?Você sabe dizer quanto vale? [...] Se você é um dos 845 milhões de usuários do Facebook [...] você vale exatos U$ 88,75, cerca de R$ 152? (Época, 06fev12).

O Facebook ?oferta espaço digital para que os consumidores se relacionem. Em troca, os dados sobre tudo o que esses consumidores fazem ? tudo o que você faz! ? são vendidos às empresas interessadas em se relacionar com eles [...]. Sistemas inteligentes analisam rios de dados gerados pelas ações dos usuários e criam ?cestas de perfis? para quem quiser explorá-los? (Época, 06fev12).

Seu valor está nas informações que os próprios usuários proveem. ?Cada bit de informação publicado na rede social é processado por algoritmos matemáticos. Cada ?curtida? [...] transforma-se em uma informação valiosa, que é vendida aos anunciantes. O site [...] é capaz de dizer [...] quem gosta do que e como. Nenhuma outra empresa possui tanta riqueza de detalhes sobre seus usuários? (Veja, 08fev12).

O Facebook é colossal. Trata-se de uma teia com vida própria ? contudo, sob sofisticado controle ? de 100 bilhões de amizades. Max Schrems, austríaco, conseguiu, na Justiça, ?um CD com todos os dados gerados em seu perfil durante três anos. O CD continha mais de 1.200 páginas de informações privadas, inclusive todas as mensagens que ele deletara? (Época, 06fev12).
Para Laymert Garcia, Unicamp, gerindo e analisando estatisticamente os rastros deixados por nós nos sistemas informacionais ?seria possível fazer a leitura emocional de uma pessoa e conhecê-la melhor do que seus parentes ou ela própria? (Valor, 10fev12). Bem, curtamos lá o Face, mas ? não esquecer ? estamos curtindo o negócio que alguém faz com a nossa vida já não tão privada.


Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicólogo e Jornalista. Professor da Unisul.

Edição 1378

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