A renúncia do Papa Ratzinger - Jornal Cruzeiro do Vale

A renúncia do Papa Ratzinger

15/02/2013 04:24

Paulo Vendelino Kons

Historiador

 

O anúncio da renúncia do Papa Bento XVI é fato singular na história da humanidade. Os casos já verificadas não guardam semelhança com a situação vivenciada pelo atual Papa, que abdica ao Ministério Petrino ?bem consciente da gravidade deste ato? e ?com plena liberdade?, como declarou no discurso ao Consistório dos Cardeais reunidos diante dele, na manhã de segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013.

Influenciado pelo Concílio de Constância, o último Papa a renunciar foi Gregório XII, em 1415, que com sua resignação favoreceu a recomposição do cisma do Ocidente: fomentado por questões políticas, tínhamos o Papa de Roma e ao ?antipapa? de Avinhão. As outras figuras ligadas à renúncia papal são Ponziano - martirizado na ilha de Sardenha - (235), Silvério - aprisionado na Ilha Ponza, foi martirizado - (537) e Bento IX (1044). O caso mais conhecido é o do Papa São Celestino V (1215 ? 1296), proveniente da ordem beneditina, foi Papa durante alguns meses do ano 1294. Forçado a renunciar, foi canonizado em 1313.

E o anúncio de sua renúncia, deu-se em data também singular, feriado na cidade do Vaticano: em 11 de fevereiro de 1929, o Tratado de São João de Latrão formalizou a existência do Estado do Vaticano soberano, neutro e inviolável, sob a autoridade do papa, e os privilégios de extraterritorialidade do palácio de Castelgandolfo e das três basílicas de São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros. Na mesma data, no ano de 1858, a Virgem Santíssima apareceu, nas cercanias de Lourdes, França, na gruta Massabielle, à jovem Marie-Bernard Soubirous, hoje Santa Bernadete. Nesta localidade dos Pirineus franceses, por ocasião dos 150 anos das aparições da Virgem Maria, o Papa Bento XVI apresentou ?o essencial da mensagem de Lourdes? aos 150 mil peregrinos reunidos sob um céu azul. Concelebraram a Eucaristia com o Papa 230 bispos e mil sacerdotes. No dia no qual a liturgia da Igreja celebrava a festa da Exaltação da Santa Cruz, o pontífice recordou que ?é significativo? que na primeira aparição a Santa Bernadete Soubirous (1844-1879) Maria tenha começado seu encontro com o sinal da Cruz. ?O sinal da Cruz é de alguma forma o compêndio da nossa fé, porque nos diz o quanto Deus nos amou; e nos diz que, no mundo, há um amor mais forte que a morte, mais forte que nossas fraquezas e pecados. O poder do amor é mais forte que o mal que nos ameaça?, declarou. Após a homilia, interrompida em vários momentos pelos aplausos, com uma iniciativa pouco comum, Bento XVI deixou um longo momento de silêncio para deixar espaço à meditação sobre a mensagem de Lourdes.

Com o anúncio do fato invulgar da renúncia ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, começam a surgir teorias fabulosas de que o Papa estaria renunciando por causa das dificuldades de seu pontificado ou que até mesmo estaria sofrendo pressões não se sabe de que espécie.

É importante enfatizar que quem acompanha de perto Bento XVI não foi totalmente surpreendido. O jornalista e escritor alemão Peter Seewald, autor de ?A Luz do Mundo?, o livro-entrevista com o Papa Bento XVI, questionou Ratzinger à queima roupa: É imaginável uma situação na qual o senhor considere oportuno que o Papa se demita? E o Sumo Pontífice declarou que ?Sim. Quando um Papa chega à clara consciência de já não se encontrar em condições físicas, mentais e espirituais de exercer o encargo que lhe foi confiado, então tem o direito ? e, em algumas circunstâncias, também o dever ? de pedir demissão?. Exercer a função de Papa requer um trabalho enorme, com eventos públicos, escritos, decisões e consultas. É talvez pesado demais para um Pontífice de 85 anos.

Nos seus quase oito anos de Pontificado, Bento XVI lembrou e reiterou à Igreja e ao mundo que a humanidade está em um momento de decisões, um momento para aprender, para redescobrir-se. Nem as notícias sobre abusos sexuais usadas tantas vezes para atacar o Papa, podem desmerecer seu trabalho. Não é honesto afirmar que foi omisso. Na ?Carta pastoral aos fiéis irlandeses para o tempo de Quaresma?, em março de 2010, o Papa Ratzinger reiterou o que  já dissera sobre o dramático tema da violência sexual contra crianças e adolescentes na Igreja católica durante as recentes viagens aos EUA e Austrália, e no decorrer das audiências concedidas no dia 11 de dezembro de 2009 e no dia 16 de fevereiro de 2010 aos bispos irlandeses. ?Os abusos sexuais são um sinal contrário ao Evangelho da vida?, geram ?dor na Igreja? e provocam ?danos indescritíveis às vítimas e à comunidade...? E ainda: os abusos sexuais de crianças e adolescentes ?por parte de alguns sacerdotes geram vergonha? pois são atos de ?grave traição da confiança?. As vítimas, para o Papa, nunca ?esquecerão?. Quem sofreu violência deve receber ?compaixão e cura?, enquanto os responsáveis de atos tão ?abomináveis? devem ser ?levados à justiça? para ?serem condenados de modo inequívoco?.

Com o anúncio da renúncia, abre-se nova temporada de apostas. O ?primeiro papa negro? ?Um progressista?, ?um não europeu?, ?um latino-americano?. É também manifesto o desejo de alguns que o novo Papa aprove o aborto, a eutanásia, o casamento de pessoas dos mesmo sexo e outras ?reinvindicações?. A moral da pessoa católica e de todos os seguidores de Jesus Cristo está claramente manifesta nos Evangelhos, na Bíblia Sagrada. E para o cristão, ninguém pode desautorizar a Sagrada Escritura.  É preciso entender que a Igreja não é um partido político, um sindicato ou uma ONG. Assim, na eleição do sucessor de São Pedro deve o escolhido ser aquele que melhor poderá liderar a Igreja em sua missão de ?ir por todo o mundo e pregar o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15), ensinando a todas as nações; batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinando a observar tudo o que Ele prescreveu. Ele estará conosco todos os dias, até o fim do mundo.? (Mt 28, 18-20).

Apesar das incompreensões e dos ataques, Bento XVI marca a história como um grande educador, um mestre espiritual para uma humanidade que ainda não valoriza sua capacidade de escutar a todos e oferecer, sem medo e a partir do Evangelho, uma resposta ao homem de hoje. No limiar da escolha de um novo Papa, mais do que esperança, nos é necessário a Fé naquelas palavras ditas por Nosso Senhor a São Pedro e a seus sucessores: ?As portas do inferno não prevalecerão!? (Mt 16, 18).

 

Edição 1462

Comentários

Deixe seu comentário


Seu e-mail não será divulgado.

Seu telefone não será divulgado.