As fórmulas do atraso na conclusão de obras públicas - Jornal Cruzeiro do Vale

As fórmulas do atraso na conclusão de obras públicas

17/04/2015

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Por Thiago Moraes

Uma combinação de fatores mexe com os nervos de quem projeta, executa e, principalmente, aguarda pelas obras públicas. Uma cadeia de elementos que faz dos envolvidos uma vez caça, e em outras ocasiões caçadores. E onde estoura a corda? No cidadão, que se vê refém, inúmeras vezes, de projetos malfeitos, licitações suspensas ou refeitas, aditamentos, liminares e até corrupção. Uma conjugação de problemas que transforma algumas obras públicas em empreendimentos enervantes.

Prefeitos de Gaspar e Ilhota, Pedro Celso Zuchi, PT, e Daniel Bosi, PSD, conhecem de perto a realidade que envolve obras públicas de grande monta - em especial quando o assunto é construção de pontes, como a do Vale e a de Ilhota. Zuchi é um crítico assumido da lei 8.666, de 1993, que regulamenta na Constituição Federal normas para licitações e contratos da administração pública. ?Essa lei está ultrapassada e não produz efeito, no sentido de privilegiar a escolha do melhor preço e evitar a corrupção. Quem é corrupto é por natureza, e o melhor preço muitas vezes não significa a realização de uma obra bem feita. Na legislação atual, é praticamente impossível retirar uma empreiteira que demonstra ser incompetente para a prestação de serviço?, argumenta.

Para Bosi, até a conclusão da obra pública há muitos obstáculos, seja de forma direta, quando a obra é feita pelo próprio órgão governamental, ou de forma indireta, quando é contratada com terceiros por meio de licitação. ?Muitos entraves precisam ser superados até a finalização. Os atrasos ocorrem, em parte, por causa de fatores burocráticos, em que é necessário comprovar a lisura da licitação, a garantia do empenho e liberação de verbas e, infelizmente, superar interesses políticos e partidários?, destaca.

Modelo ineficiente

O início, o meio e o fim de uma obra pública dependem de uma série de etapas. Para o deputado federal Décio Lima, PT, o modelo atual do Estado que determina normas para licitações e contratos da administração pública conspira contra a eficiência. ?Por um lado é positivo, pois esse modelo é fiscalizador, porém existe um conjunto de personagens que tem o mesmo grau de poder, como órgãos ambientais, do Legislativo e Judiciário, além de interesses indígenas e sociais. Tudo isso são elementos que o gestor público e político precisa superar com perseverança. A duplicação da BR-470 ficou parada durante seis meses por causa de questões basicamente ambientais?, observa.

Deputado estadual, Jean Kuhlmann, PSD, pondera que as obras públicas passam por um rito jurídico e a lentidão se dá também devido ao direito de as pessoas envolvidas nos processos fazerem questionamentos. ?A burocracia, a pouca estrutura no julgamento dos recursos e até mesmo a incapacidade financeira de levar adiante a obra são fatores que promovem a lentidão?, avalia o parlamentar.

Após um ano, recursos para Ponte do Vale são empenhados

fotopg8retranca1GG.jpgNesta semana, após um ano e um mês de obras paradas, os R$ 14,7 milhões do governo federal necessários para a conclusão da Ponte do Vale foram empenhados. Com isso, o município depende apenas de uma liberação da Caixa Econômica Federal para acessar os recursos que buscava desde 2013. ?Acredito que em até 60 dias a obra reinicie?, projeta o prefeito Pedro Celso Zuchi.

Ele se reunirá com representantes da empresa Aterpa M. Martins, responsável pela obra, para definir o cronograma de remobilização do canteiro de obras e reinício dos trabalhos. Zuchi estima ainda que o município tenha que arcar com um valor entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões em razão de acréscimos e aditivos, previstos em contrato e solicitados pelo fato de o prazo inicial ter sido ultrapassado.

Além da Ponte do Vale, Gaspar já sentiu na pele os impactos dos atrasos na reforma da Ponte Hercílio Deeke. A obra sofreu com atraso de verba do Ministério das Cidades e, segundo reclamações de moradores da época, com baixo número de funcionários disponibilizado pela empreiteira. A reforma, que foi orçada em R$ 2,9 milhões e causou congestionamentos e transtornos por toda a cidade, acabou levando dois anos e um mês para ser concluída - o prazo inicial do contrato era de um ano. Outras obras como a drenagem da rua Amazonas, no Bela Vista, também extrapolam os prazos iniciais dos contratos e são exemplos de atrasos que trazem prejuízos coletivos.

A Ponte de Ilhota é um sonho antigo da comunidade que busca facilitar o escoamento da produção e o deslocamento na cidade. A ordem de serviço foi assinada em novembro de 2009, com o prazo de 24 meses. Dois anos e meio depois, a empresa vencedora da licitação desistiu da obra no meio do caminho e os trabalhos foram paralisados. A segunda colocada foi chamada para assumir a obra, que agora está prevista para ser entregue entre julho e agosto de 2015. O custo da obra é estimado em R$ 32,5 milhões, repassados pelo Estado e pela União.

Duplicação

fotopg8retranca2GG.jpgCom casos de recursos ambientais e polêmicas envolvendo mais de 900 desapropriações, a duplicação da BR-470 foi alvo de críticas pela demora no início dos trabalhos, pela falta de um cronograma oficial e pelo fato de que, desde janeiro, os lotes 3 e 4 estão sem máquinas na pista. Os lotes 1 e 2 são onde os trabalhos estão mais avançados. De acordo com informações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Dnit, os maiores entraves nesses trechos são devidos à demora nas desapropriações, que ainda não têm prazos para serem totalmente efetuadas. A obra envolve 74 quilômetros, e é dividida em quatro lotes e tem valor estimado pela União em R$ 1,4 bilhão, com possibilidade de variação de até 25%.

Especialistas apontam principais motivos que emperram obras

fotopg9abreGG.jpgDe acordo com especialistas no assunto, o atraso sistemático de obras no Brasil se deve a vários fatores, que atrasos ou interrupções não acontecem apenas com as grandes obras, e que o prejuízo das paralisações não é apenas para a construtora, mas para o país em geral.

Segundo o advogado especialista em licitações e contratos, Luiz Cleberson de Moraes, a obra pública, em especial as etapas que resultam em sua conclusão, depende de uma série de etapas, que se iniciam muito antes da licitação propriamente dita e se constituem em passos fundamentais para a garantia de sucesso do empreendimento. ?O cumprimento ordenado dessas etapas leva à obtenção de um conjunto de informações precisas que refletirão em menor risco de prejuízos à administração?, aborda. De acordo com Luiz, planejamento nas obras que envolvem licitação é primordial. ?O planejamento precisa ter a fase interna da licitação, etapa contratual, projeto básico e executivo, recursos orçamentários, edital de licitação, contrato, fiscalização da obra e recebimento?.

Os vilões dos atrasos

Especialista em administração pública, mestre e doutorando em Ciência Jurídica e doutor, o professor da Univali Celso Leal da Veiga Junior cita a burocracia estatal, a complexidade da legislação, a falta de técnicos para feitura e acompanhamento dos projetos, a dificuldade de fiscalização, a variação de preços e dos interesses políticos como elementos que se conjugam entre si e que se tornam os vilões dos atrasos em obras públicas. ?O princípio da eficiência, um dos fundamentais da administração pública, não é observado geralmente. A sociedade sofre as consequências. Enquanto a gestão pública atuar sem freios efetivos, pouca mudança ocorrerá?, frisa.

Para Celso, questões jurídicas nessa seara são algo complexo. O professor discorre que questões suspeitas nos editais podem ser questionadas junto ao Tribunal de Contas e que os processos são demorados. ?Ainda temos os casos de licitações que são tecnicamente imperfeitas, contendo deficiências, causando problemas à gestão pública?, reforça.

Sobre a tão falada burocracia em obras públicas, o professor alerta que já se passou do tempo da administração pública ficar reclamando da burocracia que ela mesmo criou. ?Os gestores devem ser mais envolvidos e preventivos, e não somente se aproveitar da burocracia para justificar omissões, erros ou discursos políticos sem sentido?, conclui.

Motivos das demoras

- Projetos apressados: Problemas de projeto resultam não só em atrasos, mas em obras malfeitas, como do Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, no Rio de Janeiro. Ele foi interditado apenas seis anos após a conclusão por haver risco de a cobertura desabar.

- Licitações mal feitas: O modelo de licitação adotado atualmente privilegia as empreiteiras que oferecem o menor preço ao governo. Na pressa de conseguir os menores preços, os editais são mal feitos e incorporam números às vezes irreais.

- A cultura do aditamento: Depois que começa a executar o serviço, ou a realizar a obra, a em empresa alega que o custo é bem maior que o previsto inicialmente. Muitas vezes há prorrogação no prazo da entrega, pois não estavam previstos no projeto original.

- Burocracia emperrada: Os documentos são necessários para dar uma garantia mínima ao governo de que as empresas são capazes de realizar a obra. Não são os documentos que emperram as obras,e sim a falta de especialistas para analisar e  agilizar os processos.

- Questões jurídicas: Toda obra pública com seus aditamentos e execução é fiscalizada pelo Ministério Público e pela sociedade. Qualquer cidadão que se sentir prejudicado pode recorrer à Justiça. Como a Justiça nem sempre consegue avaliar os casos com a rapidez necessária, os processos geram mais atrasos.

Obras nacionais não são referências

fotopg9retrancaGG.jpgObras nacionais de grande porte expostos à população geram ainda mais uma nítida impressão de lentidão nas obras e de atos de corrupção por meio de licitações. 

Prova disso é o noticiário recheado de informações a respeito de obras inacabadas, mal-feitas e entregues além do prazo combinado. Maus exemplos não faltam. O aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, ainda não foi reformado conforme promessa de 2011, quando esteve entre as obras que seriam feitas devido à Copa do Mundo de 2014. O governo prometeu entregar um pedaço de obra inacabada em 2014, que até hoje não foi cumprida.         

Outra obra que não serve como referência é a transposição do Rio São Francisco, que iniciou em 2007 com previsão de conclusão para 2012. A obra que seria capaz de diminuir o sofrimento do Nordeste, orçada em R$ 8,2 bilhões, já tem quase 300 processos de adição de valores com relação ao início do projeto original.

Jogos Olímpicos        

A um ano e quatro meses da abertura dos Jogos Olímpicos, a prefeitura e o governo estadual do Rio de Janeiro correm contra o tempo para executar o plano de obras para o evento e entregar as instalações e equipamentos dentro do prazo. O evento receberá 10.500 atletas de 205 países. Em comparação com a Copa do Mundo, as obras para os jogos estão mais atrasadas. 

Doze estádios foram construídos ou reformados para a Copa do Mundo de 2014. No dia 12 de junho de 2012, dois anos antes da abertura, nenhum deles estava pronto, mas seis mantinham a ideia de serem entregues no prazo determinado. Para os Jogos Olímpicos, a realidade é diferente. Atualmente, ao todo, são 17 obras em locais que receberão disputas por medalhas olímpicas, seja de construção ou adequação de áreas de competição, como a Vila Olímpica (foto). Dessas, 10 não devem ficar prontas nos prazos estipulados pelo dossiê da candidatura da sede, feito em 2008. Outras sete ainda estão no prazo. Ou seja, cerca de 60% das obras estão atrasadas a menos de dois anos dos Jogos, 10% a mais do que na Copa.


Edição 1679

 

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